No dizer dos
produtores rurais, o Ceará enfrenta duas secas neste ano: uma referente
à perda do plantio, que já é total, e a outra da escassez de água para o
consumo humano e animal. Na verdade, o Estado caminha para o quinto ano
seguido de chuvas abaixo da média. A estiagem castiga o sertão, arranca
lágrimas de agricultores idosos, deixa a terra árida, as folhas de
milho, feijão e capim murchas, mata a lavoura e invade de desespero o
coração do sertanejo.
"Está tudo
perdido, não há mais o que se fazer", diz o agricultor, Manoel Benigno
Uchoa, 75 anos, morador do sítio Croatá, na zona rural deste município,
na região Centro-Sul do Ceará. Nos últimos 40 dias, ele mantém a rotina
de caminhar diariamente de casa para o roçado de milho e feijão para
fazer o serviço de roço e combater o ataque de lagartas. "Este mês de
fevereiro foi ingrato. Não caiu uma gota d'água. Nunca vi uma coisa
assim. Antes a seca era só de um ano, dois e a chuva voltava".
Segundo
dados da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos
(Funceme), o mês de fevereiro termina com o registro de chuva bem abaixo
da média - 43,2%. Para o período eram esperados 118.6mm, mas choveu
somente 67.4 São dados parciais, pois este ano é bissexto e o mês
termina hoje, mas a estatística reflete toda a tendência da escassez de
chuva que castigou o sertão cearense no primeiro mês da quadra invernosa
(fevereiro a maio).
Para o
próximo trimestre, as previsões não são nada animadoras. O fenômeno El
Niño permanece influenciando a quadra invernosa no Semiárido, afastando a
ocorrência das chuvas. A temperatura superficial das águas do Oceano
Atlântico também está desfavorável. "Deveria estar mais aquecida, no
Atlântico Sul", observa o meteorologista da Funceme, Raul Fritz.
A análise de
vários modelos e dos dados meteorológicos levou a Funceme a ampliar de
65% para 70% a chance das chuvas ficarem escassas nos próximos três
meses. "O cenário é desfavorável", disse Fritz. "Infelizmente, estamos
caminhando para o quinto período de seca". O El Niño permanece intenso e
só deve refluir a partir de maio, mas já não é mais período de chuvas
no sertão cearense.
"Podem
ocorrer eventos isolados de chuva ou quem sabe outro sistema passar a
atuar e trazer precipitações, pois as condicionantes do Atlântico mudam
com mais rapidez, mas isso é pouco provável", sentencia Fritz. Afinal, a
Funceme não previu a ocorrência de intensas chuvas na segunda quinzena
de janeiro passado, mas elas vieram com tudo.
Grãos murcharam
A área de
dois hectares de milho e feijão cultivada no fim de janeiro por Manoel
Benigno é um retrato de milhares de roças no sertão cearense. Os grãos
murcharam e se perderam. "Está tudo perdido", disse o presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iguatu, Evanilson Saraiva. "Em
algumas áreas, o feijão ainda se sustenta mais três, quatro dias, mas se
não chover logo, não há o que se fazer".
A
preocupação a partir de agora não é mais com a lavoura das culturas de
subsistência. Depois de cinco anos de safra perdida, os agricultores
estão desmotivados, sem esperança e sem coragem de fazer um novo cultivo
se houver retomada das precipitações. Tiveram prejuízo no primeiro
roçado. "O temor é com a falta de água para os bichos, para a gente
mesmo", disse o produtor, André Ferreira, da localidade de Gadelha. A
maioria dos pequenos e médios açudes permanece sem água. "Aqui ninguém
pensa mais em agricultura, está tudo acabado, é mais barato comprar
feijão, arroz e milho do que plantar, a nossa luta é para conseguir
água".
ENQUETE
Ainda há chance de salvar a lavoura?
"Não há mais
o que fazer no campo. Plantamos, limpamos o roçado, mas a seca castigou
mais uma vez a plantação; as folhas estão murchando, a lagarta atacou e
a terra secou. Tudo se perdeu ou está se perdendo"
Luis Ferreira - Agricultor
"O plantio
de milho já está todo perdido. Parte do feijão ainda pode ir para frente
se chover até quarta-feira. Quem plantou em janeiro perdeu tudo, porque
as chuvas não vieram em fevereiro"
Manoel Benigno Uchoa - Agricultor
Fonte: Diário do Nordeste
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